Para sempre abelinha
Outono brasileiro, a nossa história começa em
Sampa (como acham que quem moram em Sampa chama São Paulo). A cidade fervia e
não me refiro apenas ao fervo da agitação, mas fazia um calor ingrato.
Nas ruas, o contraste de um povo de camisa
florida e chinela de dedo e o povo de terno, gravata, sobretudo, cachecol,
japona, toucas e luvas devido às condições sociais que nos submetemos de
segunda a sexta, em sua maioria, das 9h às 18h.
Nos ônibus da Capital senhoras e senhores se
abanavam com as folhas de seus exames, chapas de pulmões, receitas médicas e
mais qualquer sorte de papéis que por ventura levavam em seu poder.
Nos faróis, os que funcionavam pelo menos,
não era difícil encontrar algum comerciante vendendo água, refrigerante ou
IceGurt.
A semana apenas se iniciara, plena
segunda-feira, uma tarde outonal, porém absurdamente quente e ensolarada. Pleno
abril e um calor de rachar coco. Pelo amor de Deus, não sei como vocês gostam
desse tempo. Uma gentarada suada, com pizza debaixo do braço e fedendo a catinga
logo de manhã. Ah, façam um favor... enfim.
O assunto must da semana era o feriado que
cairia numa quinta-feira e a pergunta que não queria calar era: Porra, será que
o chefe vai deixar enforcar a sexta?
Uma pergunta que se estivéssemos outrora
levaríamos ao oráculo de Delfos na Grécia antiga, mas tínhamos que nos
contentar apenas com um mero talvez.
Assim a semana se passou, chegando a
quarta-feira. O dia pré-feriado. O dia que todos aguardavam. O dia que chefe
segura informação até às 17:55 se vai emendar o raio do feriado ou não.
Desculpem a minha ira, mas é como eu me sentia! Um fervor que nem meu
ventiladorzinho USB conseguia amainar.
17:57 – Você tem uma nova mensagem na sua
caixa de entrada.
Corro o cursor pela tela, deixando de lado a
tela do BuzzFeed.
Percorro o meu olhar e paro em cima do
enunciado em negrito: ABRE QUE AINDA DÁ
TEMPO! Feriadão com promoção...
Ao inferno suas promoções, droga!
17:59 – Você tem uma nova mensagem na sua
caixa de entrada.
Dessa vez nem me animei muito. Terminei calmamente
de ler 14 situações pelas quais quem usa óculos sempre passa, fechei os olhos
por um segundo e absorvi aquele conteúdo cheio de verdades. Corri de novo para
a minha caixa de entrada e dessa vez estava lá a galinha de ovos dourados, o
meu ticket para a felicidade: Emenda de Feriado
É como diz a juventude: separa os currículos
que eu vou dar trabalho.
O plano era passar um feriadão na praia com
tudo incluso! Transporte de van, alimentação em quiosque meio duvidoso e hospedagem
na casa de um colega meu.
Assim que cheguei em casa já entrei correndo
pra dentro, tinha comido uma carne meio esquisita no quilo perto da empresa e
estava pagando por isso agora. Depois que saí do banheiro passei a mão no
telefone e liguei pro meu colega para avisá-lo de que eu iria descer ao seu
encontro na maravilhosa, espetacular, inigualável Praia Grande.
*Até
o início da década de 1990, a maior parte dos habitantes de Praia Grande morava
junto à praia, concentrada principalmente na região compreendida entre a praia
do Boqueirão, onde está localizado o centro da cidade, e a praia do Ocian. No
entanto, a partir do meio dos anos 1990, o boom da construção civil, ocorrido graças
a uma série de obras de infraestrutura, paisagismo e urbanização, que até então
eram demasiadamente precários, acabou atraindo milhares de famílias para o
município. Hoje a PG, mais comumente conhecida e como é carinhosamente
chamada, reúne diversos estilos e classes. O
estilo mais comum encontrado atualmente na praia é o que a ciência chama de
Ladronis Oportunus, que é mais conhecido como a espécie de Ladrãozinho de
Oportunidade, Batedor de Carteira, Bandidinho, Os Mano, entre outros.
Apesar
de saber dessa infestação eu não deixaria que isso acabasse com a minha onda,
se me permitem o trocadilho.
Arrumei
a minha mala e nela não levei mais do que o essencialmente necessário. Um
chinelo, umas cuecas, bermuda, camiseta, meia, protetor solar, repelente, pau
de selfie, óculos de sol, uma troca de
tênis, carregador de celular, uma blusa caso esfriasse, alguns remédios de uso
contínuo, um boné, guarda-chuva, uma toalha, um livro, alguns lanches pro caminho,
alguma coisa para beber, uma pranchinha, uma esteira, guarda sol e uma banana.
Ora,
não me venham com essa! É claro que a banana era essencial, eu sofro de severas
câimbras quando passo algum tempo sem me movimentar.
De
qualquer forma, minha mochila estava pronta e eu iria acordar bem cedo no dia
seguinte, então, apesar da excitação, fui dormir.
Dia
seguinte eu acordei e me arrumei pra sair, coloquei a mochila nas costas e fui
cair no mundo. Cheguei a primeira parada: Terminal Jabaquara.
Um
lugar peculiar, onde milhares de pessoas passam todos os dias. Lá eu quase
podia sentir aquele cheirinho de praia e aventura.
Praia!
Praia! Praia! Litoral! Praia Grande, São Vicente, Santos, Itanhaém.
Fui
ao mensageiro e lhe disse que gostaria de ir até a PG, ele então passou a mão
pelas minhas costas e me virou e então apontou uma van. Disse que eu fosse até
lá e dissesse que o Pequeno me enviara.
-
Opa, bom dia! Beleza? O pequeno me mandou aqui. – na van me deparei com um
senhor sentado no banco do motorista, que necessariamente atrapalhava o cheiro
de praia que eu sentia, pois agora eu só podia sentir cheiro de futum mesmo.
Uma camisa bege meio desbotada, óculos de sol estilo aviador, uma cabeça que
era mais cocuruto que cabelo, um sorriso amarelo e um cigarro Derby na boca.
-
Firmeza, garoto? Vai pra onde?
-
Eu to indo pra PG! – disse eu animado.
Uma
longa traga em seu cigarro e então o motorista disse entre uma baforada:
Disse
que preferia descer em casa e passei o endereço ao motorista. Ele então me
disse que eu escolhesse um lugar e esperasse um pouco, pois a van já tomaria
viagem.
Não
havia muitos lugares para escolher, na verdade, a van já estava até que cheinha.
Infelizmente os lugares próximos às janelas já estavam tomados. Então sentei
entre um senhor de meia idade e uma mãe com uma criança de colo. Minha mochila
estava um pouco pesada para leva-la ao colo, mas devido ao curto espaço entre
os bancos foi o único jeito. C’est la vie.
Mais
uns 5 minutos se passaram e um moço moreno entrou correndo na van, nos deixando
um pouco apreensivos pelo modo abrupto que adentrara a van, mas não se passava
do cobrador.
-
Bom dia senhores passageiros, meu nome é Robinson e a nossa van está partindo
agora. Chefia, toca pra praia! É nóis!
O
motorista então deu partida na van e esse seria o típico momento de filmes onde
a câmera sobe e ao fundo começa a tocar uma musiquinha animada, poderia até ser
Surrender do Cheap Trick, ai todo mundo se agitaria, um mapa ia aparecer na
tela mostrando a van saindo do nosso ponto de partida e seguindo uma trilha até
o próximo ponto de parada onde eu desceria. A câmera então teria um shot meu
saindo da van, a porta se fechando e partindo. Bom seria se tivesse sido assim,
né amigos?
O
motorista deu a partida na van e ela não pegou de primeira, alguns segundos e
numa nova tentativa e então partimos. Logo saindo do terminal já nos deparamos
com um trânsito de lascar. Para o desespero de geral a van não possuía qualquer
sistema de refrigeração voltando aos passageiros que não fosse as janelas bem
abertas.
Calor,
trânsito e o começo de uma câimbra que eu já previra. Fui pegar a minha banana
que eu coloquei no bolso externo da mochila para que ficasse de fácil alcance.
Vou tateando e nada da minha banana. Tateia de cá. Tateia de lá. Nada da minha
banana, mal sabia eu que Pequeno, ao me envolver num abraço havia roubado a
minha banana! Filho de uma rameira manca!
O
desconforto era absoluto e não pensem vocês que estava tocando Cheap Trick na
van, não senhores, ao som os melhores sucessos de Catuaba com Amendoim e isso
vai muito do ponto de vista do que dá pra ser chamado de melhores.
O
nosso transporte sacolejava como se estivéssemos no finado La Bamba do
Playcenter.
Do
meu lado esquerdo a mãe então achou que era hora de amamentar a sua cria.
Liberou uma teta e deu de mamar ao seu filho. Posso dizer que pelo ritmo que a
van sacudia dali sairia um legítimo milk-shake.
Achei
que o melhor seria colocar um fone de ouvido e tentar dormir um pouco. Coloquei
os fones e fechei os olhos. Pra minha sorte até peguei no sono, coisa que não
durou muito devido a freada brusca do nosso condutor. Um cheiro azedo acometeu
as minhas narinas. Mas que era isso?
Olhei
para o meu braço esquerdo e vi algo pior do que aquelas pessoas que dormem de
boca aberta e babam, mas o serzinho no colo da mãe estava encharcado em uma gorfada
(nesse caso me refiro a golfada de vômito).
A
minha vontade inicial era de vomitar junto, depois quis morrer, mas no fim cutuquei
a mãe para que ela acordasse.
-
PORRA! – gritou a mãe. – Que nojo! Olha o que você fez. – falou com o bebê.
O
bebê então deu um sorriso banguela e gostoso pra mãe. Eu até riria dessa
situação não fosse o cheiro de rabo de elefante dentro da van e caso a mãe não
tivesse pedido pra eu segurar seu filho enquanto se limpava.
Graças
a Deus a minha parada já estava chegando, aquele cheiro de Cheetos misturado
com chulé começava a passar dos níveis suportáveis.
Enfim
chegamos à PG e o motorista então parou a van no endereço que eu lhe passara.
-
Jovem, você desse aqui. – tosse.
Paguei
o motorista e então o porteiro Robinson liberou a minha saída. Ar fresco. Ufa.
Desci
em frente a casa que ficava ao lado de um terreno baldio. Um calor abafado e
aquele barulho de grilo. Ding Dong, toquei a campainha.
Meu
amigo então veio ao portão me receber de braços abertos, sorrindo e com cerveja
na mão.
-
Cara, qual é, meu? Veio passar o feriado ou veio pra morar, djou?
A
minha mochila, de fato, estava um pouco grande, mas é melhor prevenir do que
remediar, disse a ele isso.
Na
casa estava além de meu amigo a sua família. Cumprimentei a todos e sem querer
dei um empurrão na vó com a minha mochila quando virei para seguir meu amigo
pro quarto. Vergonha. Pedi desculpas, todos riram, mas a velha achou ruim.
Levei
os meus pertences ao quarto onde eu dormiria, junto com o meu amigo e vovó,
confesso que fiquei apreensivo com alguma retaliação por parte da senhora.
Meu
amigo então propôs que nos trocássemos e fossemos logo à praia. Sua família já
estava pronta e estavam aguardando a minha chegada. Me troquei, coloquei uma
regata, uma sandália, a sunga, uma bermuda e passei o protetor solar.
A
casa não era muito perto da praia, uma caminhada de uns 15 minutos para
podermos chegar lá, mas ainda assim, pra quem fica horas distante da praia o
que seriam apenas mais meros 15 minutos de caminhada e lá fomos.
Até
vovó foi andando conosco.
Chegamos
então à praia da Guilhermina, mermão, que show de bola.
Já
deu pra sentir a brisa do mar e um cheiro de espetinho de camarão de matar.
Adentramos
na areia e começamos a busca por um local onde poderíamos montar acampamento. Guarda-sóis,
esteiras, cadeiras e aquele caninho PVC que usamos para extrair um pouco de
areia para colocarmos guarda-sol. Montamos tudo e eu só queria saber de ir logo
pra água. Tomar banho de mar.
Todos
iriam entrar, menos vovó que ficaria mais um tempo e aproveitaria para
descansar um pouco da caminhada.
Pois
muito que bem, fomos então e passamos bem uma hora pra mais. Entre caldos,
jacarés, brigas de galo e aquele xixi malandro, cansamos um pouco e o meio-dia
se aproximava e junto com ele a fome.
A
tia, mãe do meu amigo, então sugeriu que nós voltássemos e comêssemos alguma
coisa, aos poucos fomos emergindo da água e voltando à terra firme. Fomos
alguns metros para o lado, então tivemos que nos redirecionar, mas não foi um
problema, pois nosso ponto para não nos perder era um prédio com sacadas
vermelhas.
Chegamos
ao nosso acampamento e para nossa surpresa vovó estava dormindo.
A
tia acordou a vovó que estava com um óculos escuros e um maiô amarelo, para
sempre será lembrada como abelhinha, inclusive em seu funeral recentemente.
Descanse em paz nossa abelhinha.
Mas
nesse dia vovó estava era bem viva e dorminhoca, fomos em busca de nossas nécessaires
e para nosso horror estava tudo revirado!
Perguntamos
para vovó o que tinha acontecido, ela tirou seus óculos escuros então pudemos ver uma grande mancha que o
óculos de sol deixara. A gente não sabia se ria ou se chorava, literalmente
amigos. Eu confesso que quase chorei, pois haviam levado o meu chinelo. Mentecaptos.
Tivemos
que voltar para casa, pois roubaram nosso dinheiro, celular e outros pertences
pessoais.
A
sorte é que deixamos a maior parte de nossos pertences em casa, mas ainda assim
voltamos Pês da vida! Xinguei vovó o caminho inteiro de volta, até hoje acho
que o sumiço do meu chinelo foi obra dessa víbora, ainda em vingança pela
mochilada. Rancor.
Chegamos
em casa e eu não poderia estar mais feliz, meus pés pareciam dois bifes
grelhados, fui correndo para debaixo do chuveiro tomar um banho gelado.
Fiquei
andando feito um pato por mais de duas semanas.
A
tia improvisou um almoço para nós. Comemos e descansamos um pouco, de tarde
iriamos para a feirinha e depois sairíamos para jantar.
Na
feirinha toda a variedade de quinquilharias que você poderia imaginar. Comprei
uma sereia de biscuit segurando uma placa: Alguém que esteve em Praia Grande –
SP, lembrou de você.
Eu
e meu amigo fizemos tatuagem de henna. Meu amigo fez um desenho tribal e eu
pedi que o tatuador escrevesse “Amor” e “Paz” em japonês bem no meu braço.
Ainda
naquele dia passei por uma colônia de japoneses que riram às minhas custas, vim
a descobrir que aqueles símbolos no meu braço não diziam “Amor” e “Paz”.
小さなディック(Chīsana Dikku, pronuncia-se Tchissana Dicu) em
tradução ao pé da letra é aquele de órgão sexual masculino pequeno. Fiquei bem
do fodido da vida, voltei ao local para tirar satisfação com o tatuador, mas
nunca mais o encontrei. Pra quem faz tatuagem de henna sabe, porra aquela merda
fica um tempo na nossa pele. Fiquei irado!
Meu
apelido na família pelo feriado acabou sendo Tissano, apelido derivado da
pronúncia de Chīsana.
De
noite fomos a um restaurante bem legal, felizmente eu contei à tia o que havia
acontecido e ela fez uma maquiagem para que a tatuagem passasse mais abatida,
só assim pude usar uma regata.
Lá
comemos bem, rapaz... Olha, só de lembrar as lombriguinhas aqui começam a se
atiçar. Era comida a dar com o pau! Uma fartura dessas que a gente vê em mesa
de rico de novela, com a diferença que a gente realmente comeu a comida. Ali
não tinha essa de perder o apetite, não.
Mais
do que satisfeitos voltamos para casa e assistimos a um filme, vovó não
aguentou e foi dormir primeiro. Ela disse que não teria problema subirmos
depois, afinal ela dormia como uma pedra e usava tampões de ouvido.
O
filme acabou e já estávamos bastante cansados, afinal essa rotina de praia dá
uma certa sonolência na gente. Eu e meu amigo subimos pro quarto e começamos a
nos preparar para dormir, no quarto uma treliche. Vovó dormia na parte de
baixo, meu amigo dormiria na parte de cima e eu dormiria na cama de baixo do
lado de vovó.
Terminamos
de arrumar as camas, apagamos as luzes e fomos dormir. Ou pelo menos é o que eu
tentei fazer. Naquela noite vovó parecia um escapamento de um fusca velho.
Peidou a noite inteira devido ao nosso jantar farto e condimentado.
Não
aguentei. Fui dormir na sala.
Chegou
domingo, hora da despedida daquele pequeno paraíso. Teríamos que voltar para
casa, felizmente eu poderia pegar uma carona com a família dessa vez. Pela
graça do senhor.
Voltamos
cedo para não pegarmos muito trânsito na nossa subida de volta, mas parece que
muitos tiveram a mesma ideia.
Chegamos
perto da hora do almoço em São Paulo. A família do meu amigo me deixou em casa,
o que eu agradeci eternamente, por conta do meu pé de pato. Me despedi de
todos, quando cheguei em vovó eu juro pra vocês que vi um sorriso sacana no
rosto da filhadaputa.
Mas
o importante é que tudo correu bem, graças a Deus.
Segunda
voltei pro escritório, o RH me chamou. Achei estranho, mas fui.
Perguntei
sobre o que se tratava:
-
Sobre o que se trata?
Lurdes,
que era a encarregada, me alertou sobre a minha falta na sexta-feira. Fiquei
indignado, que falta era essa sobre a qual ela se referia? Sendo que sexta teve
emenda de feriado.
Por
um triste acaso eu lera apenas o enunciado da mensagem, porém a mensagem
integral era:
De:
Edu
Para:
Depto. 1
Assunto:
Emenda de feriado
“Caros, venho aqui informar que teremos expediente
normalmente na sexta-feira. Repito, não emendaremos o feriado.
Conto com a compreensão de todos.
Att,
A
direção.”
Lurdes
então me alertou que a falta seria descontada do meu pagamento e pediu que isso
não voltasse a acontecer.
Poxa,
Lurdes. Pra quê isso?
Escrevo
esse conto in memoriam de vovó, para
sempre nossa abelhinha.
*Fonte: Wikipédia
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