Contos Inacabados: O Projeto X
O dia começou
calmo na Cidade Maravilhosa. Eram 6h e já se podia ver movimento nas praias. O
Sol apareceu com toda a sua exuberância e deixava aos poucos o dia mais claro e
mais colorido.
Alguns
saiam de suas casas para trabalhar, outros faziam caminhadas. Os mais
afortunados tomavam café da manhã em
seus terraços e contemplavam a linda praia de Copacabana.
É
apenas mais um dia normal no Rio de Janeiro. Ou era para ser apenas mais um dia
normal.
Antes
que se pudesse dar conta a cidade já estava de pé, pessoas andando para lá e
para cá. Pais e Mães deixando seus filhos nas escolas e correndo para seus
trabalhos. Eram tempos difíceis.
Carla
estava no caminho da escola com seu filho Júlio, enquanto o filho estava
ouvindo música em seus fones, Carla alternava seu olhar entre seu telefone com
a sua agenda e o trânsito.
- Puta que
pariu! Mal começou o dia e já temos esse engarrafamento. – esbravejou Carla
para ninguém em particular.
O
filho apenas lhe deu um olhar pelo canto e voltou a mexer no celular,
alternando entre todas as suas redes sociais.
O
trânsito seguiu mais um pouco adiante e Carla estava muito agitada, até que
entrou numa rua para poder desviar um pouco de todo o congestionamento.
Finalmente
chegaram à escola.
- Ei, não vá
saindo assim não, cadê o meu beijo? – Júlio já estava para fechar a porta do
carro quando a mãe cobrou a atenção do filho que, revirando os olhos, voltou
para dentro do carro e deu um beijo com má vontade no rosto da mãe.
Júlio
estava para sair novamente do carro, porém congelou. Na verdade todos à volta
ficaram perplexos quando uma sombra começou a sobrevoar o céu da cidade.
Todos
agora pararam o que estavam fazendo e olhavam sem acreditar para o céu, alguns
choravam, outros entraram em desespero. Carla não podia acreditar, mas sabia o
que aquilo significava. Não era possível.
Nesse
momento naves sobrevoavam o céu da cidade. Grandes naves esféricas, negras como
o piche, com cúpulas redondas e círculos verde limão que serviam para o
controle de entrada e saída de ar.
Enquanto
centenas dessas naves sobrevoavam o céu Carla teve apenas um impulso: mandou
que o filho fechasse a porta do carro e saiu arrancando.
- Não, não!
QUE MERDA! Eles não podem fazer isso com a gente! ELES PROMETERAM! Prometeram
que iriam nos dar mais tempo! – Carla guiava o carro como se estivesse numa
corrida, e talvez estivesse.
- Mãe, que
porra é essa? O que tá acontecendo? – Júlio estava confuso e assustado, nunca
antes havia visto a mãe assim. Sabia que por conta de seu trabalho sua mãe sempre
estava sob constante pressão e estresse, mas Júlio conseguia ver o pânico no
rosto de Carla.
Carla
continuou olhando vidrada para frente enquanto pegava a estrada para sair da
cidade. Precisava alcançar a Fronteira o mais rápido possível.
Infelizmente
muitos tiveram a mesma ideia. As Fronteiras eram grandes muros de aço que
dividiam um Estado do outro, isolando-os e deixando-os quase sem contato.
Poucos podiam atravessar esses muros, apenas aqueles que trabalhavam para o
governo.
Conseguir
uma passagem para outro Estado era extremamente raro e apenas em ocasiões muito
específicas, alguns duvidavam até de que isso pudesse realmente existir, pois
viveram toda uma vida e nunca conheceram alguém que sequer tivesse chegado
perto das Fronteiras.
Essa
medida foi necessária após a Grande Depressão, como era chamado o evento que
destruiu o mundo como conhecemos.
Carla tentou
se aproximar o mais quanto mais pôde da Fronteira que dividia Rio de Janeiro e
São Paulo. Júlio saindo de um transe volta a gritar para mãe:
- MÃE, POR
FAVOR, O QUE ESTÁ ACONTECENDO? – mas a mãe estava em seu próprio transe, na
verdade estava presa em seu pior pesadelo.
Carla
chegou a um ponto onde não era mais possível seguir de carro, apesar do céu
enegrecido com as naves ainda era possível enxergar através dos faróis dos
carros abandonados. Carla tirou o cinto e gritou para que seu filho corresse
junto a ela.
Multidões
tentavam fazer o mesmo que Carla, desesperados.
Durante
o caminho encontraram diversas pessoas que se machucaram tentando chegar à
Fronteira, a cidade gritava por misericórdia, mas Carla não, ela sabia que
teria uma chance. Afinal ela trabalhava para o Governo, “A porra do Governo que
se dizia tão justo, tão preocupado, e agora estava fazendo isso com todos.”,
pensava ela.
Júlio
já não estava conseguindo correr tão bem quanto começara, seu peito doía e
sentia fortes ânsias, precisou parar para respirar.
- JÚLIO! Não,
não, por favor, não pare de correr, precisamos chegar à Fronteira. – Carla
olhou para seu filho e por um momento não viu o adolescente que já não
conversava mais com ela, não viu o adolescente que sentia vergonha de dar um
beijo na mãe, não. Viu um Júlio criança, que fazia desenhos para que a sua mãe
pudesse colocar na geladeira. Viu seu garotinho. Carla não pensou duas vezes,
pegou o filho no colo e continuou a correr.
Passavam
por pessoas implorando por ajuda, desviavam de obstáculos no caminho deixados
por outras pessoas, enfrentavam o forte calor que agora se fazia, devido ao
abafamento causado pelas naves.
A
Fronteira estava perto, era só isso o que ela conseguia pensar! Iriam fugir,
poderiam trocar de nomes, identidades. Carla poderia arranjar até um emprego
simples e continuarem com as suas vidas. Havia esperança de um amanhã melhor,
ou pelo menos de um amanhã.
A
Fronteira estava apenas a alguns metros agora, porém algo estava errado. Algo
estava muito errado. A multidão que
então corria para alcançar a Fronteira parecia apenas se conglomerar ao redor
dela. Carla não podia entender o que estava acontecendo.
Quando
chegou perto o suficiente pôde então notar o motivo de ninguém ir adiante. Um
grande abismo que antes era uma estrada dividia a população e a Fronteira.
Pessoas
gritavam e se lamuriavam, mas nada do que pudessem fazer iria fazer com que
eles conseguissem chegar ao outro lado. Pais e seus filhos, idosos, crianças,
deficientes, podia-se encontrar todo o tipo de pessoa à margem do abismo.
Alguns
casais mais velhos se juntaram e faziam uma espécie de cerimônia, uma
despedida. Talvez um agradecimento por terem chegado tão longe em suas vidas,
por terem tido a oportunidade de poderem viver tanto e aproveitar suas vidas.
Aos poucos, um por um, foram se jogando da margem do abismo e adentrando a
escuridão para o desconhecido. Para outro lado.
O
grito da multidão foi interrompido por alarmes e luzes vermelhas que piscavam e
viam das naves paradas no céu.
As
partes de baixo das grandes bolas pretas se abriram e inúmeros canos saiam de
lá, canos grossos e que se espalhavam por todos os cantos. Nesse momento
pareciam grandes polvos gigantes, e que ironia, era assim que Carla e seus
colegas costumavam chamar as naves de exterminação.
Carla
olhava fixamente para as naves, enquanto abraçava seu filho que chorava e
soluçava. E só teve tempo de gritar:
- Eu te amo,
filho! Me desculpe. – os alarmes cessaram e por algum momento todos tiveram uma
ponta de esperança.
O
hino nacional agora ressoava, bradando em todas as direções, enquanto uma
fumaça preta tomava conta de toda a cidade.
Carla
se agarrou ao filho enquanto a fumaça ia grudando em seus corpos. Uma vez que a
fumaça atingia a pele fiava grudada, como uma gosma, impossível de ser
removida. Quanto mais se tentava tirar, parecia que melhor adesão tinha a gosma
preta.
Era
para ter sido apenas mais um dia tranquilo na Cidade Maravilhosa, era. Mas
agora ela estava oficialmente eliminada do projeto.
O
Rio de Janeiro já não fazia mais parte do mapa.
[conto a ser finalizado]
[ou não]
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