Rapsódia Matinal
Como
pessoa responsável eu sabia bem dos meus horários e optei por colocar mais 15
minutos de soneca, ah, que se foda. Ninguém tem a ver com isso, pensei.
Mais
uma vez toca o despertador, abro os olhos mais uma vez e penso em dar o cano no
trabalho. Ah, que bom seria poder ficar dormindo o dia inteiro. Mas o dever
chama.
Levantei
da cama com uma espreguiçadela e com uma leve coceira na nádega esquerda.
Puta que
pariu, que frio.
Mais que
depressa fui ao banheiro e comecei a me despir das vestes noturnas. Abri o
chuveiro e ali, como uma criança espera pela manhã de Natal, eu esperei que o
chuveiro esquentasse. Tremendo de frio entrei e senti a água quentinha descer
pelo corpo. Mas com um preço, é claro, apenas metade do corpo por vez, afinal
para que o chuveiro pudesse aquecer de forma agradável eu não poderia abrir
muito o registro.
Como ia bem um
Coroninha, pensei. Mas era o que tinha pra hoje e se for parar para pensar nem
era tão ruim assim.
Iniciei o meu
banho e com ele o meu tímido repertório de músicas, eu até poderia estar
recebendo qualquer tipo de prêmio ou até me imaginar num talk show, mas aquela
manhã eu acordara inspirado.
Tasquei xampu na
mão, apenas uma moedinha, eu aprendera, e comecei a ensaboar as melenas ao
mesmo passo que entoava as melhores canções de Reginaldo Rossi. Um grande
cantor de nossa sociedade, de um trabalho atemporal, cantei as mágoas de um compadre
e sua desilusão amorosa a mesa de um bar.
Tenho o
costume peculiar de preferir o enxague apenas quanto termino de ensaboar todo o
corpo. E assim o fiz. Cantando alegremente e passei ao enxágue. Um frio na
espinha me acometeu, quando de fato caiu a ficha percebi não ser um frio na
espinha, mas nas costas mesmo, a água descia fria como o coração de uma velha
solteirona. Maldição! E essa agora?
-Mãe. – clamei
por socorro. – Mãe, o chuveiro queimou.
Nada.
Em meio aquele
frio, metade do corpo ainda ensaboado, ainda não tinha repassado a cabeça,
chorei de tristeza.
Percebi então
um cilho caído e nesse momento pensei que a minha salvação havia chegado.
Peguei o cilho com a pontinha do dedo e fiz um pedido, como diz a lenda. Para o
meu desespero nada aconteceu, pois aquilo não se passava de um pelo caído do
nariz. Tristeza.
Eu não sei
quanto tempo se passou, mas eu me encolhi em minha vergonha e meu fracasso. De
meus olhos escorriam lágrimas, nem tanto pelo fato do ocorrido, mas o xampu começava
a escorrer para dentro de meus olhos.
Era isso. O
fim.
Ao longe eu
ouvia algumas batidas na porta.
PÁ. PÁ. PÁ.
Eu estava
fraco e derrotado demais para ligar.
PÁ. PÁ. PÁ.
De
novo.
Vão embora! Me
deixem em paz seus crápulas. Não vêm um homem abatido? Não podem sentir
compaixão para que o deixem definhar com o mínimo de sua dignidade?
Não.
A porta então
se abriu e junto com ela uma lufada de vento que arrepiou cabelinhos de onde o
sol não bate.
- O que você
tá fazendo deitado ai? – perguntou uma senhora de voz familiar.
- Ajuda. –
pedi.
- Que?
- Preciso de
socorro. – desta vez implorei.
- Do que você
tá falando? Olha, a energia voltou. Acho bom você terminar logo esse banho
senão você vai se atrasar mais ainda para o trabalho.
Aquela mulher
falava de uma realidade da qual talvez eu pertencesse e fizesse parte.
Ainda de olhos
fechados ouvi o girar agudo, como guinchos de ratinhos, do registro do banheiro.
Uma água morna batia em minha face e comecei a recobrar consciência.
Aos poucos fui
reunindo forças e consegui me levantar e me apoiar nas paredes, embora o
esforço.
Consegui
realizar a minha missão. Finalizado o banho puxei a toalha e senti sua maciez
contra a minha pele. Vitória.
Enquanto me
secava senti um urro vindo de dentro pra fora. Esperei.
Novamente veio
o urro e dessa vez a coisa veio com raiva, como um soco no meu estômago. Recebi
aquilo como uma afronta, escárnio se vocês preferirem.
Era óbvio que
o meu próprio corpo tentava me pregar uma peça. Logo após o meu banho recebi um
chamado da natureza.
Mas aquele era
o menor dos obstáculos, depois de minha jornada o que não nos mata, nos
fortalece. Encarei o inimigo. E me posicionei na cerâmica de assento gélido.
Após alguns
minutos tateei em busca do rolo de papel higiênico.
Não consegui
encontra-lo por meio do toque, então fui obrigado a me virar para olhar onde
estaria. Para o meu espanto encontrei apenas um rolo meio despido, com apenas
um filete de papel para presenciar a minha desgraça.
- Mãe. –
clamei novamente. Orei para que ela me ouvisse. – Mãe, você pode trazer papel
higiênico?
Nada.
Oh, pai. Por
que me abandonaste?
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