O Lobisomem de Varginha
Caros, antes que eu possa começar este causo que me
aconteceu há alguns anos, primeiro preciso dizer que tudo isso não se passou na
celebrada região do café Varginha – MG, mas sim pelas longínquas terras do
Terminal Varginha, na Zona Sul de São Paulo.
Tendo isto esclarecido, para quem não conhece (e fica aqui o
meu convite) a região do Varginha é um lugar muito arborizado, de belas
diversidades de matos.
Era uma noite que fazia frio, portanto, como de costume, os
moradores de Varginha estavam fazendo como toda pessoa normal faz: reclamando
do frio no Facebook e desejando àqueles que gostam de tal temperatura que seus
chuveiros queimassem.
Estava na casa de vovó, uma senhoura (se você é jovem,
leia-se coroa) de muita classe e distinção e finesse.
Em algumas noites da semana vovó participava de um clube do
livro, onde se reunia com algumas outras senhouras suas amigas e discutiam
literatura conceitual moderna. Na época o livro a ser discutido era 50 Tons de
Cinza, após a leitura fariam uma dissertação comparativa com o aclamado O Homem
sem Qualidades de Robert Musil (1930 -1943).
Vovó, antes de sair de casa, havia deixado preparado o
jantar para que eu pudesse servir ao vovô, que estava acamado por conta de um
resfriado.
Eu estava assistindo a um programa que enaltece os grandes
estudos sociológicos, onde é possível observar a grande natureza do homem que
vive numa pequena sociedade e é corrompido entre poder e dinheiro, naturalmente
exibido pela TV Global, quando então vovó disse que já estava de saída para se
encontrar com as meninas.
- Menino, já estou saindo para me encontrar com as meninas.
Vê se fica de olho no seu avô. – disse da cozinha.
- Pode deixar vó.
- QUÊ?
- Eu disse pra senhora ficar tranquila.
- Não sei onde tá a sua mochila.
- NÃO VÓ! TRANQUILA, PRA SENHORA FICAR TRANQUILA.
- Ah bom! Já vou indo!
Vovó então saiu de casa e eu mal imaginava que aquela noite
seria o início de pequenos horrores que jamais eu poderia esquecer.
Terminado o programa fui checar vovô e perguntar se ele já
gostaria de fazer a ceia. Chegando no quarto percebi que ele dormia tranquilo,
apesar de roncar como um Monza tentando arranque numa subida íngreme. Lá fora começava a chover e por um momento fiquei
preocupado com vovó se havia levado um guarda-chuva.
CABRUM!
De um salto vovô pulou na cama, alerta!
- PRA PEGAREM ESSA GRANA VÃO TER QUE FAZER MAIS DO QUE ISSO,
SEUS CUZÕES!
Olhei para vovô e percebi que estava de novo sonhando sobre
ainda quando era um rico fazendeiro de ervas ilícitas. Depois de preso uma vez,
nunca mais retomou sua produção.
- Calma vô! Não tem ninguém aqui, só eu!
- Porra, tava sonhando de novo com aqueles filhos da puta!
- Sim, eu sei vovô. Fique calmo. O senhor gostaria de
jantar?
- Ah, que porra! Já que eu acordei mesmo.
Vovô então voltou a se deitar e eu fui lhe preparar um prato
de comida. Levei até o seu quarto e esperei que terminasse de jantar enquanto
ele me contava do dia em que um traficante rival havia invadido e tentado
acabar com a sua plantação.
Terminou de jantar e eu lhe dei os seus remédios e ele então
tentou voltar a dormir. Enquanto isso eu fiquei pela sala assistindo um filme
enquanto esperava por vovó. Já estava bem tarde e a chuva não parava de cair lá
fora.
Acabei pegando no sono enquanto assistia um filme muito
trágico, onde um filho deficiente se perde de um pai que ficou viúvo após um
ataque e a única pessoa disposta a ajuda-lo é uma outra figura com um caso
crônico de amnésia.
Algo então me despertou e percebi que a energia havia
acabado. Mas não era isso, havia um barulho estranho, algo rouco, quase um
rosnado.
Fui checar vovô, apesar de seus roncos, não era aquilo. Era
algo diferente.
O barulho parecia ficar cada vez mais alto e mais
assustador. Eu só conseguia pensar em rezar e repetir sem parar: fudeu, fudeu,
fudeu, fudeu, fudeu, fudeu, fudeu muito.
Segundo a lógica de um filme de terror devido ao meu peso em
excesso e à minha atitude, eu poderia ser entre o primeiro e o segundo
personagem a ser morto, resolvi apostar nos 50% de que eu seria o segundo a ser
morto e muito embora o meu espanto e choque resolvi olhar pela janela da sala.
Então eu vi ali, de olhos brilhantes, curvado, de longas unhas e com o pelo
todo desgrenhado aquela criatura horrenda.
Não tive dúvidas, nesses casos a regra é clara: primeiro de
tudo tirei uma selfie, em segundo lugar corri à cozinha para procurar o
castiçal de prata de vovó (que depois eu viria a descobrir que não se passava de uma réplica pintada com tinta spray, pois o verdadeiro havia sido vendido
por vovô para pagar um agiota) e o segurei com toda a força. Fiquei em dúvida
sobre acordar ou não vovô, pois ele já tinha idade e uma coisa daquelas poderia
mexer com ele, pensei: Que se dane! Vou eu mesmo enfrentar isso ai! Afinal de
contas sou um homem ou um saco de batatas?
Fiquei à espreita da porta e janela da sala, aquele ruído
continuava cada vez mais e mais alto quando...
PÁ PÁ PÁ
A criatura batia ferozmente na janela! Eu nunca fui muito
versado em palavras religiosas então precisei recorrer ao que eu conhecia, então
gritei: É o poder de Cristo que te compele.
Eu sabia que aquela frase fora usada em outra ocasião, mas como a juventude diz: É o que tem pra hoje.
Eu sabia que aquela frase fora usada em outra ocasião, mas como a juventude diz: É o que tem pra hoje.
Fui à janela com o castiçal de prata e fiquei agitando em
direção à criatura na esperança de que a energia da prata afugentasse aquela
monstruosidade. Sem sucesso, além de continuar batendo na janela a criatura
ainda me zombava. Em meio às suas batidas e rugidos ainda levantou sua mão
peluda e me mostrou, vermelha como o sangue, a garra do meio.
Filhadaputa, eu pensei.
Ainda repetindo a oração, fechei as cortinas. Cabrum! Trovões ecoavam do lado de fora e deixavam os ruídos ainda
mais poderosos.
PEC PEC PEC
O som vinha da porta! O castiçal não seria suficiente,
tentei buscar algo grande e me deparei com o armário da bagunça de vovó e
peguei uma vassoura e corri para a porta, esperando que a criatura adentrasse a
casa.
PEC PEC PEC
Aguardava o arrombamento.
PEC PEC PEC mais uma vez.
Eu estava ofegante, meu coração disparado.
PEC PEC PEC, a última vez.
Então a porta se abriu num estrondo e a criatura entrou,
cambaleante. Mas antes de que ela pudesse se dar conta eu já tinha dado o meu golpe.
Acertei com a vassoura em cheio na cabeça daquela coisa horrível. Depois de um
grunhido caiu no chão.
Vovô acordara e viera correndo até a sala de arma em punho,
pronto para atirar! Mas eu gritei a ele que não fizesse isso a menos que fossem
balas de prata, caso contrário de nada adiantaria e além do mais eu já havia
colocado o bicho para dormir com o meu golpe certeiro.
Sempre rápida e eficiente a Eletropaulo já terminava de
arrumar a fiação e a energia voltara. Então eu e vovô pudemos ver melhor aquela
que viria a ficar conhecida como o Lobisomem de Varginha.
- SEU FILHO DA PUTA! – bradou vovô – VOCÊ ESTÁ LOUCO? OLHA O
QUE VOCÊ FEZ.
Caída no chão estava vovó, completamente inconsciente.
Naquela noite vovó resolvera estrear um casado de peles que
vovô lhe trouxe do Paraguai e foi ao encontro das amigas para impressioná-las. As
garras não se passavam das unhas postiças de vovó e os olhos brilhantes eram os
reflexos de seus óculos. Todo aquele grunhido era de um ataque de asma que ela
estava tendo.
Felizmente ela parece não se lembrar do ocorrido, devido a
pancada na cabeça, mas esta noite ficará para sempre na minha memória.
[conto meramente fictício, ou quase isso]
Imagem: Cena do Filme Cursed
[conto meramente fictício, ou quase isso]
Imagem: Cena do Filme Cursed
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