DIY feat. Obra do Tinhoso
Em uma tarde de domingo vocês sabem que a cabeça da gente
vira passarela do Diabo. Não muito diferente de nossos antepassados, estava
deitado na cama assistindo vídeos do YouTube.
Que maravilha o YouTube, uma imensidão de cultura! Fiz
acesso à página principal e resolvi dar uma olhada naquela seção de vídeos
sugeridos, aquela seção que parece entregador de panfleto na rua, que a gente passa correndo
sem dirigir o olhar.
Inocentemente percorri o olhar para saber o leque de opções
que o YouTube me reservara.
Mal sabia eu que aquela seria o início de um fatídico dia!
Oh, se eu soubesse os horrores que me aguardariam nas horas que viriam, jamais
teria assistido aquele vídeo demoníaco.
A sugestão mais aprumada me parecia ser um vídeo chamado DIY
(Monte Você Mesmo). No vídeo uma jovem senhorita, não mais que seus 17 anos, idade à flor da pele! Ah sim, me lembro dos meus tempos de jovem. Época magnífica onde
eu escalava o pé de laranja do vizinho para conseguir um sinal de celular.
No vídeo de hoje ela ensinaria outras meninas da mesma idade
e simpatizantes da arte clássica-barroca como fazer um abajour (popularmente chamado abajur) à partir de uma
garrafa de vidro.
Maravilhado ainda era pouco para descrever a sensação que
senti. No vídeo ela usava uma garrafa de uma bebida desenvolvida por um andarilho
chamado Johnny. Após consumido o conteúdo etílico seria possível realizar a
façanha.
Com alguns poucos materiais e uma inspiração de Macgyver ela
então transformou aquele vasilhame em um lindo abajour (...jur, se preferir).
Não me contive e assisti mais algumas vezes ao vídeo,
convencido de que aquilo era realmente fácil de fazer. Mas assim é o Diabo,
meus camaradas. De palavra macia e arrebatadora. Por um momento baixei minha
guarda em CristoTM e resolvi procurar materiais semelhantes para
poder fazer tal arranjo.
Saí como um desesperado casa a fora procurando tais
materiais, como se estivesse numa cruzada que já foi muito repercutida em
âmbito nacional comandada pelo Oficial Gugu. Em minha mente ainda posso ouvir
suas eternas palavras “Valendooo!”.
A começar pela garrafa, não pude encontrar algo tão parecido
com o que o vídeo sugeria na geladeira. Só pudera encontrar latas de
cerveja (leia cerva ou breja se você é jovem). Recorri ao armário e lá só pude encontrar
vidros de azeite e Só Côco. A minha sana ficava cada vez maior, então resolvi
recorrer ao armarinho de bebidas. Não encontrei nada muito vistoso, além de uns
vidros dos malditos espumantes Cereser, me encarando ali como fantasmas de
natais passados. Quase desistente remexi um pouco dentre as garrafas esquecidas
e empoeiradas e pude encontrar o que poderia vir a se tornar a solução do
problema: uma garrafa de pinga Cura Corno® que mamãe trouxera de uma de suas expedições
ao Nordeste para papai.
Abracei a garrafa como quem vê um amigo de longa data. Mas
ainda havia outro problema a busca de outros materiais.
Eram necessárias ferramentas, soquetes e interruptores, cabos, objetos de um dialeto estranho ao qual eu estava ainda tomando conhecimento.
Papai tem um grande armário, onde certa vez já achei,
escondidas, algumas revistas de cunho nú artístico. Provavelmente papai as
escondera de mamãe, pois ela sempre detestara arte barata, sempre preferiu
decorar a casa com quadros que representavam a vida litorânea, quadros esses
provindos de grandes artistas que trabalham apenas com materiais que a natureza
dá.
No armário de papai encontrei um mundo de coisas, coisas que
eu jamais poderia imaginar para quê serviriam, porém ali fui feliz por um
instante, pois encontrara os materiais necessários para poder terminar o
projeto do mal.
Fui ao meu laboratório, confesso que na verdade foi na mesa da cozinha,
depois que tirei o descanso de mesa rendado e a flor plastificada de centro.
Comecei a colocar em prática aquele plano maligno. Eu estava muito consumido,
talvez até anjos tivessem sussurrado em meu ouvido para que eu abandonasse
aquilo e fosse fazer uma cruzadinha da Letrão, mas não pude ouvi-los.
Terminada a criação ainda faltava o toque final: a cúpula do
abajour (jur). Como eu poderia ter esquecido de tal coisa? A Desgraça se abateu sobre
mim. Precisei recorrer à geladeira e abri sua porta para pensar assim como Dumbledore
mergulhava sua cabeça na Penseira. Passei alguns segundos encarando uma garrafa
meio vazia de coca e um queijo que já começava a exalar um cheiro incômodo e então me ocorreu ir à vizinha ver se por lá havia uma cúpula.
Ding
dong Ding dong
- Dona Ana, sou eu. Seu vizinho!
Dona Ana, uma senhoura bojuda, de bochechas bem vermelhas e
cabelo louro-abranqueado, veio em minha direção rebolando em suas tamancas.
- Menino?! Sua mãe está bem?
- Está sim D. Ana, sabe o que que é, eu estava pensando aqui
e a senhora tem abajour?
- Quê?
- Abajour.
- Quê?
- É que eu estou precisando de uma cúpula de um abajour e
queria saber se a senhora não poderia me ceder uma.
A confusão era clara no rosto de D. Ana, pensei E agora?
- Menino, o que você tá aprontando?
Não teve outro jeito, fui obrigado a mostrar o vídeo a D. Ana
para que ela pudesse compartilhar de tão jubiloso trabalho! Só digo uma coisa,
camaradas: Quando o Diabo quer, ele faz de tudo!
D. Ana pareceu muito satisfeita em me dizer que teria uma
cúpula, mas me fez prometer que eu a devolveria depois.
Muito agradecido fui de volta a casa com uma cúpula rosa com
detalhes de unicórnio da neta de D. Ana.
Finalmente voltei à minha criação e encaixei a cúpula. O
tempo era perfeito, já que a noite já chegava. Olhei para minha criação assim
como Dr. Frankenstein encarou sua criatura. Na base uma garrafa amarronzada de
Cura Corno, cheia de fitas isolantes para esconder detalhes que não poderiam
ser vistos e em cima, como uma cereja no bolo, a cúpula rosa de cavalos
chifrados.
Levei o plug à tomada e seria só alegria! A vontade do Diabo
estava era feita, isso sim.
Apertei o interruptor e POFT! POFT?
Um estampido surdo e... escuridão! O que dera errado?
Eu certamente não sei. Mas escrevo esta anedota em um pedaço
de papel sobre à luz de um toco de vela da santinha que pude encontrar em cima
da geladeira da cozinha.
Aguardo meus pais voltarem. Estou sozinho, preciso de ajuda e
provisões.
Se você está lendo isso, peço que venha ao meu resgate e lhe
rogo: Pelo amor de Deus, não faça você mesmo! Isso é pegadinha do Tinhoso!
Agradecemos a preferência.
- Texto transcrito do
manuscrito em saco de pão da padaria
[ conto meramente fictício, ou quase]
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